Apesar da contínua repressão da Alemanha contra o ativismo pró-palestino, milhares reuniram-se em Kreuzberg na semana passada para uma 'Marcha da Vitória' após o acordo de cessar-fogo, entoando “Liberdade para a Palestina” e carregando cartazes com os dizeres: “O cessar-fogo é apenas o começo.”
Enquanto a resistência pode surgir nas ruas, ela também encontra espaço nas paredes das galerias. No verão passado, enquanto bombas caíam sobre Gaza, uma exposição em Frankfurt serviu como uma janela para os horrores da guerra na Palestina. Como parte do Festival de Cultura Palestina na Alemanha, uma série de fotografias capturadas por jornalistas palestinianos testemunhou a real catástrofe humanitária em Gaza e a resiliência de seu povo.
Uma imagem destacou-se. Tirada por Mahmoud Abu Hamda em Gaza, em abril de 2024: uma jovem menina a amassar pão no meio das ruínas do campo de refugiados de Nuseirat, com o fumo dos bombardeamentos ainda no ar.
Ao ver a imagem impactante, um menino espanhol ficou tão emocionado que voltou à exposição para doar as suas economias em moedas para ajudar os palestinianos, depois da mãe explicar as dificuldades que as crianças em Gaza enfrentam.
A exposição, Through My Eyes, percorreu grande parte da Europa no ano passado como parte de uma iniciativa de consciencialização promovida pelo PALI Think Hub, um grupo de defesa dos direitos humanos.
A ONG foi fundada por Emma Lo, uma especialista ítalo-americana em direito internacional baseada na Suíça, e Lise, uma franco-palestiniana formada em Relações Internacionais e residente na Alemanha. A sua missão: expor a crise humanitária em Gaza e restaurar as histórias humanas frequentemente perdidas por trás de estatísticas mediáticas e relatórios militares.
“Through My Eyes frequentemente confronta as pessoas com as duras realidades da vida sob ocupação e genocídio em Gaza—muitas pela primeira vez. Em vez de simplesmente irem embora, vemos as pessoas a parar, refletir, a fazer perguntas e até voltarem com amigos para continuar a conversa,” diz Lo.
“Queremos que as pessoas sintam, não apenas vejam.”
“Fomentar a conexão está no coração das nossas exposições,” ela explica. “O nosso objetivo é humanizar as experiências palestinianas, ir além dos debates abstratos e entrar em algo profundamente pessoal. As pessoas agem quando se identificam.”
A empatia de Emma pelos oprimidos foi moldada desde cedo. Aos 10 anos, ela leu “O Diário de Anne Frank” e ficou impressionada com a capacidade da jovem de documentar os horrores do nazismo com uma voz tão próxima da sua própria.
“Na época, eu era atraída por biografias de pessoas que moldaram a história, mas a história de Anne destacou-se porque foi contada pela voz de uma jovem de idade semelhante, com uma perspectiva inocente e identificável,” ela explicou à TRT World. Anne Frank foi uma menina judia-alemã que, durante a Segunda Guerra Mundial, escondeu-se com a sua família em Amsterdão, que estava ocupada pelos nazis, para escapar à perseguição.
Ela manteve um diário durante os 25 meses que a sua família passou escondida, documentando a sua vida em detalhes vividos. Anne morreu em 1945 no campo de concentração de Bergen-Belsen. Mas o seu diário tornou-se num dos livros mais influentes do mundo.
Para Lo, a história de Anne é dolorosamente relevante hoje, ecoa o sofrimento de Gaza. “Anne sonhava em se tornar jornalista. Se estivesse viva hoje, ela estaria a escrever sobre o genocídio em Gaza.”
Jovens mulheres palestinianas que documentam a crise hoje em Gaza demonstram a mesma coragem, diz Lo. “Jornalistas como Bisan Owda, Plestia Alaqad, Lama Jamous e Hind Khoudary dão voz à causa da Palestina, capturando os horrores que testemunham diariamente. O seu trabalho é tão poderoso quanto o diário de Anne Frank, mas elas não são apenas ecos do passado—estão a forjar os seus próprios legados.”
Aos 12 anos, Lo já havia conhecido três sobreviventes do Holocausto em eventos da escola. Os seus testemunhos instalaram nela uma convicção: o silêncio diante da injustiça é cumplicidade. “Aprendi que o mundo pode ser brutal, mas defender os direitos humanos é um dos atos mais poderosos de resistência.”
Liberdade, igualdade, justiça—para quem?
Apesar de crescer no ambiente multicultural de Washington DC, Lo encontrou a narrativa palestiniana pela primeira vez na sua adolescência, graças aos seus pais.
“Embora Anne Frank mencione a Palestina numa entrada do seu diário de 8 de maio de 1944; vergonhosamente, eu não ouvi falar da Palestina pós-48 até aos meus 15 anos,” ela recorda.
O livro do judeu-americano Norman G. Finkelstein, “Gaza: Um inquérito ao seu martírio”, foi um ponto significativo no seu processo de aprendizagem. A obra narra os ataques militares de Israel a Gaza, a violação do direito internacional e a deturpação da Palestina na narrativa ocidental.
Os valores que Lo havia aprendido na escola—liberdade, igualdade, justiça—começaram a desfazer-se. “As liberdades que os EUA defendem, como o direito à autodeterminação e à justiça, são abandonadas quando se trata da Palestina.”
Lo não mede palavras ao abordar a hipocrisia ocidental. “Os líderes deveriam ter vergonha. A sua aplicação seletiva dos direitos humanos mina a sua credibilidade.”
Um exemplo gritante é o apoio militar inabalável dos EUA a Israel, apesar das suas flagrantes violações do direito internacional. Israel continua a ser o maior receptor de ajuda dos EUA desde a Segunda Guerra Mundial.
“É simples,” diz Lo. “Os governos deveriam parar de financiar a violência. Em vez de alimentar a destruição, esses recursos deveriam ser investidos na construção de um futuro melhor.”
Para ela, responsabilizar os governos não é apenas uma escolha—é uma obrigação. “Não posso afirmar que defendo a justiça enquanto ignoro as ações dos meus próprios governos. Desafiar essas narrativas é um dever.”
Por meio do PALI Think Hub, Emma Lo e Lise desconstroem a ideia de que as ações de Israel na Palestina são um problema distante ou isolado. “A negação de direitos em qualquer lugar enfraquece-os em todos os lugares,” acrescenta.