A fome já não é uma ameaça que bate às portas em Gaza — vive dentro das casas, roendo os ossos, roubando o sono e silenciando os sonhos.
Nos passeios de Khan Yunis e Rafah, no sul de Gaza, os palestinianos desabam sob o peso de estômagos vazios, enquanto o mundo já não os ouve.
Uma mulher de 50 anos caiu ao chão. O seu corpo frágil era incapaz de suportar o peso da fome.
"Ela caminhava devagar, mal se aguentava em pé", relata Kholoud al Arqan, que viu o que aconteceu. "Depois desmaiou. As pessoas correram para ajudar, atirando água na cara dela. Ela não comia há dias."
A mulher depois sussurrou: "Só queria um bocado de pão para os meus filhos."
Desde março, Gaza afundou no que os responsáveis de saúde agora chamam uma "verdadeira fome".
Com o encerramento de todas as passagens fronteiriças por Israel, nenhuma farinha, leite em pó para bebés ou ajuda médica entrou no enclave há mais de quatro meses. O pão, outrora um produto de primeira necessidade, é agora uma esperança sussurrada — comercializado nos mercados negros a preços que nenhuma família pode pagar.
Os hospitais por toda Gaza reportam números sem precedentes de pessoas a desmaiar nas ruas por exaustão e desnutrição.
"Já não há força nestes corpos", segundo o Ministério da Saúde de Gaza. "Centenas enfrentam a morte simplesmente porque os seus corpos já não conseguem resistir à fome."
Pelo menos 69 crianças morreram de desnutrição desde outubro, com as mortes relacionadas com a fome a atingirem as 620, disse o Gabinete de Comunicação Social do Governo de Gaza.
Outras 650.000 crianças com menos de 5 anos estão em risco severo, juntamente com dezenas de milhares de mulheres grávidas que carecem de comida e cuidados pré-natais.
Ahmed Abu Nada, de 35 anos, disse: "Já não procuramos comida. Procuramos sobrevivência. Sonhamos com pão. Até isso já não é real."
Acrescentou: "Os 2,4 milhões de pessoas de Gaza não estão a viver. Estamos a resistir."
Um pedaço de pão
Os palestinianos recorreram às redes sociais para partilhar a angústia.
O Dr. Munir Al-Bursh, diretor-geral do Ministério da Saúde de Gaza, escreveu: "Em Gaza, a comida já não é um direito. É um desejo não realizado sussurrado pelas mães à noite e olhando nos olhos de crianças famintas que dormem abraçando o ar em vez de leite. O pão tornou-se um tesouro perdido."
Acrescentou: "A fome já não bate a porta — instala-se nas nossas casas, envelhecendo as nossas almas e triturando a nossa dignidade sob o peso do silêncio global."
De jornalistas a professores, utilizadores de Gaza gritam a mesma dor.
"Já não se fala de guerra", escreveu o educador Mahmoud Assaf. "Apenas fome. Esse é o título de todas as conversas."
"Emprestem-me a vossa paciência", escreveu noutra publicação. "Como durmo enquanto os meus filhos choram de fome?"
O jornalista Mohammed Hania publicou: "Bom dia de Gaza, faminta até ao osso. Nenhum pão esta manhã, nem sequer uma mordida para aliviar a fome da noite passada. Dormimos com fome. Acordámos com mais fome."
O académico Abdel Fattah Abed Rabbo acrescentou: "A fome não é apenas uma dor no estômago — é uma fratura na alma."
O analista político Mustafa Ibrahim escreveu: "O mundo está cansado de ouvir sobre Gaza. Os crimes de Israel continuam, mas o silêncio tornou-se uma arma. Não consegues ouvir os gritos dos que passam fome?"
Um cerco de fome
Desde 2 de março, Israel impôs um bloqueio total a Gaza, impedindo a entrada de comida, medicamentos e ajuda humanitária. As agências de ajuda têm repetidamente alertado sobre uma fome provocada pelo homem, sem sinais de alívio.
Rejeitando os apelos internacionais para um cessar-fogo, o exército israelita tem prosseguido uma ofensiva brutal em Gaza desde 7 de outubro de 2023, matando quase 59.000 palestinianos, a maioria mulheres e crianças. O bombardeamento implacável destruiu o enclave e levou à escassez de alimentos e à propagação de doenças.