A principal autoridade mundial em crises alimentares declarou oficialmente na sexta-feira que a maior cidade de Gaza está a enfrentar fome, e que é provável que se espalhe por todo o território caso não haja um cessar-fogo e o fim das restrições à ajuda humanitária.
A Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC, na sigla em inglês) afirmou que a fome está a verificar-se na Cidade de Gaza, lar de centenas de milhares de palestinianos, e que pode se expandir para o sul, atingindo Deir al-Balah e Khan Younis até o final do próximo mês.
A determinação do IPC surge após meses de alertas de grupos de ajuda humanitária de que as restrições de Israel à entrada de alimentos e outros tipos de assistência em Gaza, juntamente com a sua ofensiva militar, estavam a causar altos níveis de fome entre os civis palestinianos, especialmente crianças.
Marco sombrio da ocupação
Este marco alarmante — a primeira vez que o IPC confirma a fome no Médio Oriente — certamente aumentará a pressão internacional sobre Israel, que está em guerra com o Hamas desde 7 de outubro de 2023.
Israel afirma que planeia intensificar a guerra em breve, ocupando a Cidade de Gaza e outros redutos do Hamas, o que, segundo especialistas, agravará ainda mais a crise de fome.
O IPC declarou que a fome foi impulsionada pelos combates e pelo bloqueio à ajuda, agravada pelo deslocamento em massa e pelo colapso da produção de alimentos em Gaza, levando a níveis de fome que ameaçam a vida em todo o território após 22 meses de guerra.
Mais de 41 000 pessoas sofrerão de desnutrição severa
Mais de meio milhão de pessoas em Gaza, cerca de um quarto da população, enfrentam níveis catastróficos de fome, e muitas estão em risco de morrer devido a causas relacionadas com a desnutrição, segundo o relatório do IPC.
O relatório acrescenta que 41 000 dessas pessoas sofrerão de "desnutrição severa", o dobro do número citado na avaliação do IPC em maio, colocando-as em "risco elevado de morte".
No mês passado, o IPC afirmou que o "pior cenário de fome" estava a verificar-se em Gaza, mas não chegou a fazer um anúncio oficial.
Israel nega as acusações
O Primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, negou que haja fome em Gaza, dizendo que os relatos de fome são "mentiras" promovidas pelo Hamas. Após a publicação de imagens de crianças desnutridas em Gaza e relatos de mortes relacionadas com fome, Israel anunciou medidas para permitir a entrada de mais ajuda humanitária. No entanto, a ONU e os palestinianos em Gaza afirmam que o que está a entrar é muito inferior ao necessário.
A agência militar israelita responsável pela transferência de ajuda para o território rejeitou o relatório na sexta-feira, chamando-o de "falso e tendencioso".
A agência, conhecida como COGAT, negou a existência de fome em Gaza e afirmou que foram tomadas medidas significativas para expandir a quantidade de ajuda que entra na região nas últimas semanas.
Analistas: A fome é intencional
"Um número crescente de pessoas, especialmente crianças pequenas, está a morrer de fome e doenças porque Israel fez da fome uma parte central da sua campanha para controlar o território", disse Chris Newton, analista do International Crisis Group.
O plano de Israel para intensificar a guerra na Cidade de Gaza semanas após o alerta de que a fome estava a começar lá demonstra como "a fome é intencional e como Israel utiliza a inanição como arma", afirmou ele.
Netanyahu afirma que é necessária mais pressão militar para alcançar os objetivos de Israel de libertar os reféns mantidos pelo Hamas e eliminar o grupo militante por completo.